Tema 01: Escolas do pensamento econômico: Legados e Continuidades

Autor(a): Matheus Rosa (3ª Fase)


“A história do subdesenvolvimento latino-americano é a história do desenvolvimento do sistema capitalista mundial”[1]. Com essa frase categórica, Ruy Mauro Marini inicia seu ensaio “Subdesenvolvimento e Revolução”. Nela deixa explícito uma característica fundamental do desenvolvimento capitalista em escala global, a saber: O desenvolvimento dos países centrais só foi possível pela pauperização constante dos países periféricos, dentre estes os latinos-americanos.

Nesse processo de enriquecimento de alguns e empobrecimento de outros surge o elemento fundamental da dependência. Os países empobrecidos, periféricos, são colocados numa situação dependente em relação aos países centrais enriquecidos, numa relação que se caracteriza pelo seu caráter auto-reprodutivo. De forma que, como sintetizou Marini, a dependência pode ser entendida como uma “relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência”[2].

Analisando o caso específico da dependência latino-americana, Marini conclui que a economia aqui constituída se caracteriza pela produção de bens primários de baixa complexidade, destinados, quase que unicamente à satisfação do comércio exterior, num processo caracterizado pela extração constante de grande parte do excedente econômico para as economias centrais.

Essa extração do excedente se constitui, assim, num elemento estrutural de grande importância para o desenvolvimento capitalista na América Latina. Nossa “classe dominante-dominada”[3], ao contemplar sua insignificância frente o poderio do capitalismo globalizado, tem que elaborar novas relações de produção, que compensem as perdas decorrentes de sua posição subordinada, e possibilitem a acumulação de mais-valor no ritmo necessário para manutenção do mercado interno nacional.

Apenas através da expansão da mais-valia para além do limite da reprodução da força de trabalho a economia dependente pode garantir seu ritmo interno de acumulação de capital. Assim, essa categoria, a superexploração da força de trabalho, se consolida como o “princípio fundamental da economia subdesenvolvida, com tudo que isso implica em matérias de baixos salários, falta de oportunidade de emprego, analfabetismo, subnutrição e repressão policial”[4].

Com isso, fica claro que no desenvolvimento histórico das relações de produção da economia dependente a superexploração do trabalho é elemento constitutivo central. Porém, cabe questionar: Seria, ainda hoje, a superexploração da força de trabalho elemento central na análise do capitalismo latino-americano? A resposta é afirmativa.

O principal pressuposto da categoria é a remuneração abaixo do valor necessário para o pleno desenvolvimento das atividades do trabalhador. Uma metodologia interessante para mensurar esse valor é a utilizada pelo DIEESE no cálculo do Salário Mínimo Necessário[5], que busca aferir a mínima remuneração para a manutenção do sustento e do bem estar do trabalhador comum, com base numa cesta de bens composta para esse fim.

No último mês de Abril o Salário Mínimo Necessário foi R$ 3696,95. Ou seja, inseridos num cenário ideal, os trabalhadores brasileiros deveriam ser remunerados num nível que hoje apenas 10% da força de trabalho consegue alcançar[6], recebendo um valor correspondente à quase 4 vezes o valor do salário mínimo legal vigente.

Obviamente, ao se observar a realidade econômica brasileira imediata, essa remuneração como piso salarial é impossível. Porém, o dado revela uma característica estrutural que condiz com a categoria da superexploração da força de trabalho: Numa economia dependente, grande parte dos trabalhadores será marginalizada do processo produtivo, recebendo muito menos do necessário para sua adequada reprodução como força de trabalho.

As alterações recentes na estrutura ocupacional brasileira reforçam as evidências acerca do aprofundamento do grau de exploração. A crise econômica iniciada ainda no segundo governo Dilma teve como consequência uma grande elevação no nível geral de desemprego, atingindo o pico de 13,7%, em março de 2017. A elevação do desemprego se articula com as possibilidades de aumento da exploração dos assalariados, por criar uma massa de trabalhadores que exercem contínua pressão sobre aqueles efetivamente empregados, forçando-os a se submeterem a todas as formas de superexploração existentes, para não serem substituídos e desempregados em detrimento dos trabalhadores em reserva.

No nosso caso recente, essa tendência se manifestou através de mudanças significativas na estrutura ocupacional do mercado de trabalho. Como ilustrado no gráfico I, o que se verifica após 2016 é uma contínua redução dos postos de trabalho formalizados, ao mesmo tempo que os empregos sem formalização crescem continuamente. Entre janeiro de 2016 e outubro de 2017, houve um incremento de 1 milhão e 448 mil ocupações sem carteira assinada. No mesmo período, ocorreu uma queda de 1 milhão e 413 mil postos de trabalho formalizados.

Ou seja, o movimento recente do mercado de trabalho aponta para a precarização das condições de trabalho, por elevar o grau de desformalização, e, consequentemente, reduzir o acesso de boa parte da população ocupada às garantias fundamentais do emprego formalizado, como seguro-desemprego, abono salarial, seguro-defeso, dentre outros.

Fonte: IBGE/PNAD ContínuaFonte: IBGE/ PNAD Contínua.

Se não bastasse, as mudanças provenientes da reforma trabalhista atuam no mesmo sentido, ao alterar significativamente o sistema de regulação social de trabalho e de proteção. As medidas da reforma buscam, dentre outras coisas, facilitar formas de contratação mais atípicas, flexibilizar a jornada de trabalho, rebaixar a remuneração, alterar as normas de saúde e segurança do trabalho, fragilizar os sindicatos e limitar o acesso à Justiça do Trabalho, num pacote que resulta na depreciação das condições trabalhistas e na elevação do grau de exploração do trabalhador[7].

A solidez teórica e a evidência recente tornam evidente a centralidade da superexploração do trabalho na nossa economia dependente e subdesenvolvida. Os mecanismos de transferência de valor, evidenciados pela patente inferioridade tecnológica em relação às economias centrais, continuam estrangulando o ritmo interno de acumulação de capital e tornando necessário a geração de mais excedente no plano de produção, através da superexploração da força de trabalho. Nossa elevada taxa de desemprego contribui para esse cenário, ao criar uma grande massa de trabalhadores que pressiona o mercado e abre espaço para uma grau ainda mais elevado de exploração.

Esse traço característico de uma economia dependente, como a nossa, não é passível de superação através de políticas pontuais, nem em um intervalo pequeno de tempo. A superexploração do trabalho é fator estrutural da economia periférica, e a sua superação requer, necessariamente, uma ruptura com o sistema a engendrou. Com isso, não resta outra alternativa se não o abandono completo das mais variadas ilusões liberais - de esquerda e de direita - e a adoção de um projeto de país que tenha como ponto central o rompimento com a dependência e o subdesenvolvimento.


Notas:

[1] Subdesenvolvimento e Revolução, Ruy Mauro Marini, pg 47.

[2] Dialética da Dependência, Ruy Mauro Marini.

[3] O Capitalismo Dependente Latino-Americano, Vânia Bambirra.

[4] Subdesenvolvimento e Revolução, Ruy Mauro Marini, pg 52.

[5]  Metodologia

[6] O cálculo pode ser feito de maneira intuitiva através deste link, elaborado pelo Jornal Nexo.

[7] O detalhamento crítico das medidas provenientes da reforma trabalhista pode ser conferido no dossiê elaborado por uma equipe de professores da Unicamp, neste link.

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