Nosso país atravessa um momento histórico que requer uma análise cuidadosa para uma compreensão mais profunda, além do que a mídia hegemônica e os órgãos oficiais do governo propagam. São muitas as causas e fatores envolvidos na deflagração e continuidade da greve de Caminhoneiros, assim como a reação do governo e da sociedade civil em geral. Os acordos e medidas tomados e propostos possuem consequências, assim como alternativas e interesses definidos para cada solução apresentada.

O CALE, compreendendo a importância da conjuntura e os impactos diretos em nossos estudantes, não pode se abster de um posicionamento claro e expositivo. Nossa função como entidade política, passa necessariamente pelo dever de informar e levantar o debate em torno da questão, cujas causas são eminentemente econômicas e políticas, elementos próprios da nossa ciência econômica.

A redução do preço sobre o óleo diesel como pauta principal da reivindicação da categoria tem como origem a Política de Preços firmada pela nova gestão da Petrobras de Pedro Parente, onde há vinculação direta e reajuste diário do preço em relação ao câmbio e preço internacional do barril de petróleo. Tal política chegou ao ápice recentemente quando houve uma escalada do preço do câmbio devido a fatores como o pedido de ajuda ao FMI do governo argentino, assim como a recente alta do preço do barril relacionada a instabilidades provocadas pelo presidente dos Estados Unidos no Oriente Médio, em relação à saída do acordo com o Irã e os recentes exercícios militares na Coréia do Sul após aproximação entre os governos coreanos.

Porém, a deterioração da condição de vida e trabalho dos caminhoneiros, autônomos e empregados, não tem origem unicamente nas medidas adotadas recentemente. Esse processo começa já no primeiro mandato da presidente Dilma Roussef com a adoção da “nova matriz econômica” e medidas como a queda brusca no IPI e os juros subsidiados através do BNDES, que inflaram extensivamente a oferta de caminhões, numa tentativa clara de adiar a deflagração da crise econômica que parecia iminente. As políticas recentes de controle de preços aprofundam esse cenário problemático e contraditório, levando a uma mobilização descentralizada, porém iniciada principalmente pela CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos), que já havia procurado negociar e avisar o Governo sobre suas reinvindicações, ameaçando uma greve nacional a ser iniciada no dia 21/05. Essas tratativas foram ignoradas sistematicamente pelo governo e, portanto, levaram ao início da mobilização grevista que se ampliou rapidamente.

Para além de reivindicações a respeito da remuneração dos fretes e dos custos de combustível, pautam-se a piora na qualidade de vida em outras esferas, a corrupção e a sistemática indiferença do governo com as necessidades da população. O que revela um dos motivos do apoio massivo, na medida em que a crise é administrada em detrimento do povo, com reformas impopulares, cortes na saúde e educação. As pautas, como na maioria dos movimentos massificados e sem direção definida, estão em disputa política e econômica para determinar os rumos dessa mobilização nacional. Nessa disputa, adentram-se ao movimento, principalmente a partir do terceiro dia da greve, empresas transportadoras e associações patronais que possuem uma convergência de interesses em também reduzir seus custos.

Ainda assim, a partir das tentativas de acordo do Governo e a concordância da direção nacional de várias associações de caminhoneiros, a base radicalizou e permaneceu paralisada dando continuidade à greve. Isso se deu, principalmente, devido ao caráter descentralizado e heterogêneo das lideranças e da própria organização da base, que se deu através de redes sociais e de comunicação como o Whatsapp.

Houve adesão e solidariedade inclusive de outras categorias, como foi o caso dos motoboys, pescadores de Itajaí, portuários de Santos, e dos petroleiros. Estes últimos, através do Sindipetro e da FUP (Federação Única de Petroleiros) preparam-se para deflagrar uma greve nacional cuja principal pauta é a saída de Pedro Parente da presidência da Petrobras e a mudança de sua Política de Preços. Além disso, em Florianópolis, o Sintraturb, responsável pelo transporte coletivo da cidade, lançou hoje (28/05) um comunicado que amanhã a partir das 8h30min da manhã realizará uma assembleia geral e uma paralisação de solidariedade à greve dos caminhoneiros, contra o presidente Michel Temer e suas reformas previdenciária e trabalhista.

Nesse momento, várias narrativas e soluções se apresentam para justificar tanto a greve quanto seus possíveis desdobramentos. Entre eles, redundam teses relativas à privatização integral da Petrobras e soluções antidemocráticas de intervenção militar. A respeito desta última, há uma contradição patente uma vez que a ditadura militar proibiu greves e promoveu arrocho salarial que levou ao aumento da desigualdade. Após o Decreto de Garantia da Lei e Ordem fica claro que a intervenção militar, na prática, consiste na repressão dos movimentos sociais e a garantia da continuidade de políticas impopulares.

A atual política de preços da Petrobras tem por objetivo permitir a introdução de empresas estrangeiras do setor petrolífero no país. Enquanto a maioria dos países produtores de petróleo mantém suas empresas petrolíferas protegidas e a tratam a partir de uma perspectiva de soberania nacional, como é o caso da Arábia Saudita, Noruega, França, entre outras. A partir de 2016, a política da Petrobras foi de desmonte, reduzindo a utilização da capacidade de refino deliberadamente para permitir a ampliação da importação de derivados do petróleo, além do desinvestimento em geral da companhia e o avanço de sua privatização.

A capacidade de refino da Petrobras chegou em 2013, segundo a FUP, a 90% da demanda por derivados de petróleo. Isso indica que nosso país, como produtor de petróleo, é capaz de manter uma política de preços baseada nos custos, ao invés de se tornar dependente das flutuações do mercado internacional. O petróleo do pré-sal, mesmo com custos mais elevados de extração e refino, de maneira alguma se aproximam do cálculo incorporado no preço internacional do barril agravado pela desvalorização do câmbio.

Como insumo básico de toda a economia, não faz sentido que uma riqueza natural e uma capacidade industrial de nosso país seja revertida em custos crescentes para toda a população, em benefício de alguns poucos investidores privados. Para agravar a situação, o Governo resolveu minimizar em cerca de 10 bilhões o déficit fiscal através de um imposto sobre a gasolina e diesel em julho de 2017, ainda que meses depois, em outubro, Temer utilizasse quantias muito superiores na forma de emendas parlamentares para barrar denúncias que o retirariam do poder.

Nesse contexto, numa conjuntura de crise, onde as políticas econômicas não atendem aos anseios populares e agravam ainda mais a precarização das condições de vida e trabalho da população, aprofundando a estrutura dependente e subdesenvolvida da economia brasileira, a greve se expressa como um instrumento de luta legítimo e necessário dos trabalhadores.

Com isso, o CALE se posiciona abertamente em favor das greves manifestas em todo o cenário nacional, entendendo a necessidade de uma revisão na política de preços dos derivados de petróleo e na adoção de medidas destinadas a fortalecer o caráter estratégico da Petrobras para a economia brasileira. Compreendemos que isso só será possível a partir do rompimento com o atual modelo econômico, na construção de um novo projeto de país, que coloque como objetivo central a soberania nacional e a superação das relações históricas que garantem nosso subdesenvolvimento.

 

28 de maio de 2018

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